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Roturas e Instabilidade dos Tendões Peroneais


Joelho e perna

O que é?

 

As roturas e a instabilidade dos tendões peroneais representam um espectro de lesões traumáticas no tornozelo lateral, que incluem tenossinovite, tendinopatia, roturas tendinosas e/ou instabilidade tendinosa.

O diagnóstico é clínico, com dor subfibular no tornozelo associada à sensação de apreensão ou subluxação durante dorsiflexão ativa e eversão contra resistência. Estudos por ressonância magnética podem ajudar a identificar o tamanho da rotura do tendão peroneal e lesões concomitantes em estruturas adjacentes.

O tratamento pode ser conservador ou cirúrgico, dependendo das exigências funcionais do paciente, da cronicidade da lesão e da presença de instabilidade dos tendões peroneais.

Epidemiologia

Incidência

Ruturas dos tendões peroneais observadas em 23-77% de todos os casos de instabilidade lateral do tornozelo

Prevalência

As ruturas dos tendões peroneais representam 4% de todas as lesões do tornozelo

Demografia

Instabilidade tendinosa observada em populações jovens e atléticas

Etiologia

Fisiopatologia
  • Mecanismo de lesão
    • Dorsiflexão forçada e rápida do pé invertido provocará tensão nos músculos peroneais contraídos, levando à rutura do retináculo peroneal superior (SPR).
    • O padrão mais comum é a rutura longitudinal no tendão do peroneal curto (PB).
    • Se o retináculo peroneal superior romper, os tendões tornar-se-ão instáveis e poderão subluxar ou deslocar-se completamente.

Condições associadas
  • Instabilidade ligamentar lateral (ATFL, CFL).

  • Alinhamento em cavovarus do retropé.

  • Charcot-Marie-Tooth.

  • Ventre muscular baixo do peroneal curto.

  • Tubérculo peroneal aumentado (29% da população).

  • Presença de peroneus quartus ou quintus acessório (10-34% da população).

  • Sulco retromaleolar plano ou côncavo (18% da população).

  • Os peroneum.

  • Má consolidação do calcâneo e impacto subfibular.

Anatomia

 

Inervação muscular e biomecânica
Peroneus brevis (PB)
  • Inervado pelo nervo peroneal superficial, S1
  • Atua como principal eversor do pé
  • Parte tendinosa localiza-se cerca de 2-4 cm proximalmente à extremidade distal da fíbula
  • Situa-se anteriormente e medialmente ao peroneus longus ao nível do maléolo lateral
Peroneus longus (PL)
  • Inervado pelo nervo peroneal superficial, S1

  • Atua principalmente como flexor plantar do pé e do primeiro metatarso

  • Pode apresentar um ossículo (os peroneum) localizado dentro do corpo tendinoso próximo à articulação calcaneocuboide

Espaço e compartimento
  • Os tendões peroneais estão contidos numa bainha sinovial comum que se divide ao nível do tubérculo peroneal
  • A bainha percorre o sulco retromaleolar da fíbula
  • O peroneus longus situa-se diretamente posterior ao peroneus brevis ao nível do sulco
  • O sulco é aprofundado por um bordo fibrocartilaginoso (com apenas cerca de 5 mm de profundidade)
  • O sulco é coberto pelo retináculo peroneal superior (SPR)
  • Origina-se da crista póstero-lateral da fíbula e insere-se no calcâneo lateral (tubérculo peroneal)
  • A sua porção inferior funde-se com o retináculo peroneal inferior
  • Atua como principal contenção dos tendões peroneais dentro do sulco retromaleolar
  • Ao nível do tubérculo peroneal do calcâneo:
      • O peroneus longus está inferiormente

      • O peroneus brevis está superiormente

      • Ambos os tendões são cobertos pelo retináculo peroneal inferior

Irrigação sanguínea
  • Supridos por ramos das artérias tibial anterior e posterior, através do sistema de vínculas

  • A totalidade de ambos os tendões possui vascularização

    • As descrições anteriores de zonas avasculares foram refutadas

Classificação

Tipo Descrição
I O SPR está parcialmente descolado da fíbula (a crista fibrocartilaginosa permanece intacta), permitindo a subluxação de ambos os tendões
II O SPR está separado da crista cartilofibrosa do maléolo lateral, permitindo que os tendões se subluxem entre o SPR e a crista fibrocartilaginosa
III Há uma avulsão cortical do SPR da fíbula, permitindo que os tendões subluxados se movam por baixo do fragmento cortical
IV O SPR está rasgado no calcâneo, e não na fíbula
Classificação de Raikin da Subluxação Intra-bainha
Tipo Descrição
A O tendão do longo peroneal encontra-se profundo em relação ao tendão do curto peroneal
B O tendão do longo peroneal está subluxado através de uma rotura no tendão do curto peroneal
Classificação de Redfern e Meyerson das Roturas dos Tendões Peroneais
Tipo Descrição
I Ambos os tendões estão intactos mas com roturas parciais
II Um tendão está intacto mas o outro apresenta rotura maioritária
III Ambos os tendões apresentam rotura maioritária (inutilizáveis) e o ventre muscular não tem excursão
IV Ambos os tendões apresentam rotura maioritária (inutilizáveis) mas o ventre muscular tem excursão
Avaliação completa do primeiro raio, incluindo:
    • Amplitude de movimento (ROM) da articulação MTP
    • Hipermobilidade da articulação tarsometatársica
    • Presença de crepitação e teste de fricção articular da MTP
    • Formação de calosidades
    • Dor sobre os sesamoides/ artrite sesamoideana
Avaliação de deformidades associadas:
    • Pé plano
    • Deformidades dos dedos menores
    • Alterações no mediopé e retropé

Apresentação

História
  • Relato de estalido (“pop”) com lesão em dorsiflexão distinta do tornozelo

  • Sensação de instabilidade no tornozelo lateral

  • Sensação de pisar numa pedra, caso o os peroneum seja sintomático

Sintomas
  • Localização

    • Dor no tornozelo lateral ou póstero-lateral

    • Pode ser mais distal, junto à ponta da fíbula

  • Fatores agravantes/aliviantes
    • Eversão ativa e/ou flexão plantar

    • Dorsiflexão passiva

Exame físico

Inspeção
  • Edema posterior ao maléolo lateral

  • Dor à palpação sobre os tendões

  • Alinhamento em cavo-váro do retropé

  • ‘Pseudotumor’ sobre os tendões peroneais

  • Subluxação voluntária dos tendões, com ou sem som de estalido

Testes provocativos

Testes de apreensão

  • A sensação de apreensão ou subluxação com dorsiflexão ativa e eversão contra resistência provoca subluxação/deslocação e sensação de apreensão

Teste de compressão

  • Dor com dorsiflexão passiva e eversão do tornozelo

Circundução ativa

  • Pode reproduzir a instabilidade tendinosa

Teste da gaveta anterior

  • Avaliação de instabilidade ligamentar concomitante

Imagiologia

 

Radiografias
  • Incidências recomendadas

    • Série padrão com carga

  • Incidências opcionais

    • Incidência de Harris é a melhor para visualizar a morfologia do tubérculo peroneal

Achados

  • Sinal do “Fleck”

    • Avulsão cortical do retináculo peroneal superior (SPR) da ponta distal do maléolo lateral

  • Primeiro metatarso em flexão plantar e ângulo de Meary aumentado, indicando deformidade em cavo-váro

  • Migração proximal do os peroneum é indicativa de rutura do peroneus longus

Ecografia

Indicações

  • Alta suspeição de ruturas tendinosas ou instabilidade

Achados

  • Visualização dinâmica da subluxação tendinosa

    • Subluxação intra-bainha

Sensibilidade e especificidade

  • Precisão de 90% para ruturas tendinosas

  • Dependente do operador

TC

Indicações

  • Mal união do calcâneo e impacto na parede lateral / subfibular
  • Suspeita de anomalia do sulco retromaleolar ou tubérculo peroneal aumentado
RMN

Indicações

  • Alta suspeição de ruturas tendinosas ou instabilidade, ou outras patologias concomitantes (insuficiência do ATFL/CFL e OCD do tálus)

Incidências

  • Melhor avaliada com cortes axiais e tornozelo em ligeira flexão plantar

  • Diminui o efeito do “ângulo mágico” no trajeto curvo dos tendões

Sensibilidade e especificidade

  • Sensibilidade: 83–90%

  • Especificidade: 72–75%

Achados

  • Edema e espessamento do tendão sugerindo tendinopatia

  • Presença significativa de líquido circunferencial na bainha indicando tenossinovite

  • Ruturas intra-substância do tendão

  • Infiltração gordurosa do ventre muscular

  • Sinal do “Boomerang” quando o peroneus brevis envolve o longus

  • Tendões acessórios ou ventre muscular baixo do PB

Tratamento

 

Não operatório

Imobilização com bota curta e apoio protegido por 6 semanas

  • Indicações

    • Toda instabilidade aguda do PB/PL em atletas não profissionais

  • Resultados

    • Taxa de insucesso superior a 50% em casos de instabilidade crónica

    • Taxas de falência até 83% em ruturas dos tendões peroneais

Período de modificação de atividade e imobilização com bota, seguido de fisioterapia

  • Indicações

    • Tratamento de primeira linha para tendinopatia, tenossinovite e ruturas do PB/PL

  • Resultados

    • Relatos variáveis de taxa de sucesso

Operatório

Reparação do retináculo peroneal superior e aprofundamento do sulco retromaleolar

Indicações

  • Luxações tendinosas agudas em atletas de alto rendimento que desejam retorno rápido ao desporto/trabalho

  • Presença de rutura longitudinal

Resultados

  • Reparação do SPR tem elevada taxa de retorno ao desporto e excelentes resultados reportados pelos pacientes

  • A adição do aprofundamento do sulco mostra melhores resultados (retorno ao desporto de 83-100%) comparado à reparação isolada do SPR

Aprofundamento do sulco com transferência de tecidos moles e/ou osteotomia

Indicações

  • Luxações crónicas/recorrentes com alterações ósseas ou SPR incompetente

  • Geralmente usado como procedimento de salvamento

Resultados

  • Maior taxa de complicações que a reparação do SPR com aprofundamento isolado

Tenossinovectomia e desbridamento do tendão com tubularização

Indicações

  • Ruturas recalcitrantes e sintomáticas do PB/PL com menos de 50–60% da largura do tendão

Resultados

  • Elevadas taxas de satisfação dos pacientes

Tenossinovectomia e desbridamento do tendão sem tubularização

Indicações

  • Casos persistentes de tenossinovite e tendinopatia
  • O tecido tendinopático a ser ressecado deve ser inferior a 50–60% da largura do tendão

Resultados

  • Apesar da crescente popularidade, não há dados de longo prazo disponíveis

Desbridamento de ambos os tendões com interposição de auto ou aloenxerto

Indicações

  • Ruturas complexas de ambos os tendões (envolvendo > 50% da substância tendinosa), com excursão muscular preservada (Redfern e Meyerson Tipo IIIb)

Resultados

  • Séries de casos reportam bons resultados, mas sem estudos comparativos com tenodese

Desbridamento de ambos os tendões com transferência de FHL/FDL

Indicações

  • Ruturas complexas de ambos os tendões (> 50% da substância tendinosa) sem excursão muscular

Resultados

  • Pequenas séries de casos descrevem bons resultados relatados pelos pacientes, mas com défice residual de força de eversão

Osteotomia corretiva do retropé

Indicações

  • Adicionar em qualquer caso com alinhamento rígido em varo ou valgo do retropé

Resultados

  • Elevadas taxas de falência e recidiva quando o alinhamento não é corrigido

Técnicas

Imobilização com bota curta e apoio protegido por 6 semanas

  • Técnica

    • Os tendões devem ser reduzidos no momento da imobilização (e manter-se reduzidos)

    • O pé deve ser posicionado em ligeira flexão plantar e inversão

Período de modificação de atividade e imobilização com bota, seguido de fisioterapia

  • Técnica

    • A fisioterapia deve começar após a cessação completa da dor em repouso e o término da imobilização com bota

    • Pode ser incorporada ortótese para corrigir varo do retropé ou antepé

Reparação do retináculo peroneal superior e aprofundamento do sulco fibular

Abordagem

  • Incisão longitudinal sobre os tendões peroneais

Técnica

  • Dissecação cuidadosa evitando os ramos do nervo sural
  • O SPR pode ser dividido longitudinalmente deixando uma aba para reparo posterior, ou transeccionado da fíbula
  • Avaliar os tendões para ruturas concomitantes e morfologia do sulco
  • Se for escolhido o aprofundamento do sulco, pode-se usar uma broca pequena ou fazer perfuração retrógrada da extremidade distal da fíbula
  • Um impactor pode ser usado para rebaixar o osso cortical e criar o sulco
  • O SPR pode ser reparado por sutura direta, túneis ósseos ou âncoras

Aprofundamento do sulco com transferência de tecidos moles e/ou osteotomia

Abordagem

  • Abordagem aberta conforme descrito acima

Técnica

  • Foco em outros aspetos da estabilidade peroneal

  • Aprofundamento do sulco associado a transferências de tecidos moles ou osteotomias com bloco ósseo para contenção dos tendões

  • Pode-se utilizar enxerto de plantaris ou aloenxerto para reforço/reconstrução do SPR

Tenossinovectomia e desbridamento do tendão sem tubularização

Abordagem

  • Técnica endoscópica/tendonoscópica

Técnica

  • Portal de visualização a 2 cm distal à ponta da fíbula; portal de trabalho a 3 cm proximal

  • Visualização do tendão e resseção da sinóvia e aderências

Tenossinovectomia e desbridamento com tubularização

Abordagem

  • Abordagem aberta como descrito

Técnica

  • Incisão longitudinal do SPR e exposição do tendão

  • Avaliação da localização e tipo da rutura e desbridamento dos tecidos inviáveis

  • Reparação do tendão com sutura monofilamentar, criando estrutura tubular de deslizamento suave

  • Reparação do SPR

Desbridamento do tendão com tenodese das extremidades distal e proximal do PB ao peroneus longus

Abordagem

  • Abordagem aberta como descrito

Técnica

  • Incisão longitudinal do SPR e exposição do tendão PB

  • Avaliação da localização e tipo da rutura e desbridamento dos tecidos inviáveis

  • Tenodese proximal do PB ao PL com sutura lateral a 3 cm proximal à ponta da fíbula

  • Tenodese distal do PB ao PL a 2 cm distal à ponta da fíbula

  • Reparação do SPR

Osteotomia corretiva do retropé

Abordagem

  • Incisão depende da osteotomia escolhida (ex: fusão subtalar com bloco distrativo, osteotomia de Dwyer, etc.)

Técnica

  • Objetivo cirúrgico: realinhamento neutro

Complicações

 

  • Neuroma do nervo sural

    • Incidência

      • Complicação mais comum após cirurgia devido à proximidade com os tendões peroneais

  • Recorrência da instabilidade dos tendões peroneais

    • Fatores de risco

      • Desalinhamento do tornozelo não corrigido

    • Tratamento

      • Osteotomia corretiva com ou sem reconstrução de tecidos moles

  • Dor persistente

    • Fatores de risco

      • Aperto excessivo da reparação do SPR, causando estenose do tendão

  • Compressão do nervo tibial

    • Incidência

      • Observada após transferência do FHL

    • Prevenção

      • Libertar aderências entre o FHL e o feixe neurovascular

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