Consulte por área anatómica
Fraturas da Clavícula – Terço Médio
Ombro e Braço
O que é?
As fraturas do terço médio da clavícula são lesões traumáticas comuns causadas por um impacto direto na cintura escapular e são mais frequentemente observadas em adultos jovens e ativos. O diagnóstico pode ser feito radiograficamente com radiografias da clavícula em incidências anteroposterior (AP) e inclinação cefálica. O tratamento pode ser não cirúrgico ou cirúrgico, dependendo do nível de atividade e exigências do paciente, assim como do grau de deslocamento, encurtamento e cominuição da fratura.
Epidemiologia
Incidência
- Comum
- Ocorre em 1 em cada 1000 pessoas por ano
Prevalência
- As fraturas da clavícula representam 2,6-4% de todas as fraturas em adultos
Demografia
- Mais frequentemente observadas em pacientes jovens e ativos
- Mais comum em homens com menos de 30 anos
Localização
- 75-80% de todas as fraturas da clavícula ocorrem no terço médio
Etiologia
Fisiopatologia
Mecanismo da lesão
- Queda sobre o aspecto lateral do ombro (85%)
- Impacto direto na clavícula
Patomecânica
- A junção entre o terço médio e o terço lateral é a parte mais fina do osso
- Propensa a fratura quando submetida a carga axial
- Única região da clavícula não protegida nem reforçada por músculos ou ligações ligamentares
Fraturas deslocadas
- O fragmento medial é puxado póstero-superiormente pelo músculo esternocleidomastoideu
- O fragmento lateral é puxado ínfero-medialmente pelo músculo peitoral maior e pelo peso do braço

Fraturas expostas
- Geralmente ocorrem devido à perfuração do fragmento medial através do platisma
Condições Associadas
Complicações médicas
- Pneumotórax
- Traumatismo cranioencefálico fechado
Complicações ortopédicas
- Fratura da escápula ipsilateral (ombro flutuante)
- Dissociação escápulo-torácica
- Lesão por tração
- Fragmentos ósseos significativamente separados ou alargados
- Aumento do intervalo entre escápula e coluna vertebral
- Possível lesão do plexo braquial ou vascular
- Fratura de costelas
Lesão neurovascular
Anatomia
Osteologia
Formato
- Osso em forma de S
- Lateralmente achatado, tubular no centro e prismático medialmente
Articulações
-
Articulação esternoclavicular
- Estabilizada por quatro estruturas principais:
- Ligamento capsular posterior
- Ligamento esternoclavicular anterior
- Ligamento costoclavicular
- Disco intra-articular
- Estabilizada por quatro estruturas principais:
-
Articulação acromioclavicular
- Estabilizada por dois principais ligamentos:
- Ligamento coracoclavicular
- Ligamento acromioclavicular
- Estabilizada por dois principais ligamentos:
Músculos
-
Esternocleidomastoideu
- Puxa o segmento medial da clavícula proximalmente
- Origina-se na superfície superior do terço medial da clavícula
- Insere-se no processo mastoide
-
Deltoide
- Estabiliza a extremidade distal da clavícula e auxilia na abdução do ombro
- O encurtamento da clavícula reduz o braço de alavanca do deltoide
- Origina-se no terço lateral anterior da clavícula, acrômio e espinha da escápula
- Insere-se na tuberosidade do deltoide
-
Trapézio
- Origina-se no occipital e nos processos espinhosos cervicais e torácicos
- Insere-se na porção lateral póstero-superior da clavícula, acrômio e espinha da escápula
-
Peitoral Maior
- Puxa medialmente a clavícula, provocando encurtamento
- A cabeça clavicular origina-se na superfície ântero-inferior da metade medial da clavícula
- Insere-se na crista do tubérculo maior do úmero, lateral ao sulco bicipital
-
Subclávio
- Protege as estruturas neurovasculares subjacentes e desloca a clavícula inferiormente
- Origina-se na primeira costela e cartilagem costal
- Insere-se na superfície inferior da clavícula
-
Esternohioideu
- Origina-se na extremidade esternal da clavícula
- Insere-se no osso hioide
-
Platisma
- É violado quando há tensão excessiva da pele
- Origina-se na fáscia peitoral
- Insere-se na mandíbula
Ligamentos
- Ligamentos coracoclaviculares (CC)
- Proporcionam estabilidade superior/inferior à articulação AC
- Compostos por:
- Ligamento trapezoide (lateral)
- Insere-se 3 cm medialmente à extremidade distal da clavícula
- Ligamento conoide (medial)
- Insere-se 4,5 cm medialmente à extremidade distal da clavícula
- Ligamento trapezoide (lateral)
Irrigação Sanguínea
- Vasos subclávios
- Passam posteriormente e abaixo da clavícula, próximo à junção dos terços medial e médio
- Veia subclávia está mais próxima da clavícula e localizada anteriormente à artéria subclávia e ao plexo braquial
Inervação
-
Nervos supraclaviculares
- Nervos cutâneos que percorrem verticalmente sobre a clavícula e inervam a parede torácica superior
-
Plexo braquial
Biomecânica
- O terço médio da clavícula é a porção mais frágil
- Área mais fina e estreita
- Região de transição tanto na curvatura quanto na anatomia transversal
- Única área da clavícula não suportada por fixações ligamentares ou musculares
Classificação
Classificação de Neer (Simplificada)
Tipo | Deslocamento | Tratamento |
---|---|---|
Não deslocada | < 100% de deslocamento | Não cirúrgico |
Deslocada | > 100% de deslocamento | Cirúrgico |
Não Deslocada:

Não Deslocada:

Classificação AO
Tipo | Subtipo | Descrição | Tratamento |
---|---|---|---|
Tipo A (Simples) | A1 | Espiral | Não cirúrgico ou cirúrgico |
A2 | Oblíqua | Não cirúrgico ou cirúrgico | |
A3 | Transversa | Não cirúrgico ou cirúrgico | |
Tipo B (Wedge) | B1 | Wedge espiral | Não cirúrgico ou cirúrgico |
B2 | Wedge por flexão | Não cirúrgico ou cirúrgico | |
B3 | Wedge fragmentado | Não cirúrgico ou cirúrgico | |
Tipo C (Complexa) | C1 | Espiral complexa | Cirúrgico |
C2 | Segmentar | Cirúrgico | |
C3 | Irregular | Cirúrgico |
Classificação AO

Apresentação
História
- Som de estalido ou crepitação próximo ao ombro após uma queda
Sintomas
- Dor aguda na região anterior do ombro ou diretamente sobre a clavícula
Exame Físico
Inspeção
- Sensibilidade à palpação, edema, crepitação e deformidade sobre a clavícula
- Tensão excessiva da pele, indicando risco de fratura exposta iminente

Exame Neurovascular
- Avaliação dos vasos subclávios e do plexo braquial
Imagiologia
Radiografias
Projeções recomendadas:
-
Série da clavícula
- AP em posição ereta
- AP em decúbito dorsal pode subestimar o deslocamento, pois a gravidade é eliminada
- Inclinação cefálica de 15° (Zanca view) para evitar sobreposição da escápula

-
-
Série do ombro
- Avaliação de lesões associadas (ex.: fratura do úmero proximal, escápula)
-
Projeções opcionais:
- Radiografia de tórax em posição ereta
- Comparação do encurtamento da clavícula com o lado contralateral
- Avaliação para pneumotórax
Achados radiográficos:
- Deslocamento superior do fragmento medial
- Deslocamento inferior do fragmento lateral
- Encurtamento
Medições:
-
Encurtamento
- Dois métodos:
- AP da clavícula – distância entre os extremos medial e lateral dos fragmentos
- AP do tórax – comparação direta do comprimento da clavícula com o lado contralateral
- Encurtamento > 2 cm está associado a diminuição da força e resistência do ombro
- Dois métodos:
-
Deslocamento
- Medido em percentagem relativa à largura da clavícula
- Deslocamento > 100% é um fator de risco para não união
Tomografia Computorizada (TC)
Indicações:
- Avaliação do padrão da fratura para planeamento pré-operatório
- Identificação de cominuição, encurtamento, extensão articular e não união
- Investigação de lesão vascular
- Diagnóstico de fratura medial da clavícula
- Diagnóstico de luxação da articulação esternoclavicular (SC)
Projeções mais úteis:
- Axial, coronal e reconstrução 3D
- Com contraste, se houver suspeita de lesão vascular
Diagnóstico Diferencial
Fratura do terço distal da clavícula em adultos
- Mais comum em pacientes idosos e osteoporóticos
- Radiografia pode demonstrar aumento da distância coracoclavicular (CC)
Luxação esternoclavicular
- Associada a mecanismo de alta energia
- Pode apresentar disfagia, estridor, pulsos assimétricos e parestesias devido à compressão de estruturas adjacentes
- Projeção de Serendipity ou TC são os melhores exames para avaliar o deslocamento
Lesão da articulação acromioclavicular
- Dor e proeminência mais lateral, sobre a articulação AC
- Projeções de Zanca ou Axial demonstram deslocamento da clavícula distal em relação ao acrômio
Tratamento
Não Cirúrgico
Imobilização com Tipóia
Indicações:
- Encurtamento < 2 cm e deslocamento moderado
- Deslocamento < 1 cm do complexo suspensor superior do ombro

- Fratura fechada e sem lesão neurovascular
- Paciente com baixa exigência funcional
Técnicas:
- Tipóia simples
- Ortótese em figura de oito
- Elevação e extensão do ombro para aproximar o fragmento distal ao fragmento proximal
Resultados:
- A ortótese em figura de oito está associada a maior dor, encurtamento e menor adesão ao tratamento em comparação com a tipóia
- Não há diferença nos resultados funcionais ou estéticos entre tipóia e ortótese em figura de oito
Cirúrgico
Redução Aberta com Fixação Interna (ORIF)
Indicações absolutas:
- Fraturas expostas
- Fratura deslocada com tensão excessiva da pele (risco de fratura exposta)

- Lesão da artéria ou veia subclávia
- Ombro flutuante (fratura da clavícula associada a fratura do colo da escápula)
Indicações relativas e controversas:
- Fratura deslocada com encurtamento > 2 cm
- Fratura deslocada bilateral da clavícula
- Lesão do plexo braquial (controversa, pois 66% apresentam recuperação espontânea)
- Traumatismo craniano fechado
- Epilepsia
- Paciente politraumatizado
Técnicas
- Fixação intramedular
- Redução aberta com fixação interna (placa e parafusos)
Resultados:
- Fixação cirúrgica apresenta taxa de união superior a 94%
- Resultados funcionais semelhantes ou melhores do que o tratamento não cirúrgico
- Tempo de união óssea mais rápido:
- Tratamento cirúrgico → 16,4 semanas
- Tratamento não cirúrgico → 28,4 semanas
Imobilização com Tipóia
Técnica
- Imobilização com tipóia simples ou órtese em figura de oito
- Não deve ser tentada a redução da fratura
Reabilitação
- Exercícios passivos suaves iniciam-se após 2 semanas
- Exercícios de fortalecimento iniciam-se aos 6 semanas
- Retorno ao desporto entre 4 a 6 meses
Vantagens
- Bons resultados globais
- Evita complicações cirúrgicas ou associadas a implantes
Desvantagens
- Maior taxa de não união, comparado ao tratamento cirúrgico
- Tempo mais lento para consolidação óssea
Complicações
- Não união (10-15%)
- Má união
- Comprometimento estético
- Redução da força e resistência do ombro
- Fraturas da clavícula média cicatrizadas com encurtamento superior a 2 cm
Fixação com Placa

Abordagem
- Posição em cadeira de praia (Beach Chair) ou supina
- Incisão superior direta vs. anterior
Técnica
Configuração da placa
- Placa anterior
- Placa superior (comparada à placa anterior):
- Maior carga até falha
- Aumento da resistência da placa em fraturas com cominuição inferior
- Maior risco de lesão neurovascular
- Menor remoção da inserção do deltoide
Fixação dupla
- Taxa baixa de remoção de implantes sintomáticos (0-3.7%)
- Biomecanicamente equivalente ou superior a uma única placa de 3.5mm
Opções de placa
- Placas de compressão dinâmica de 3.5mm, pré-contornadas e de contacto limitado
- Placas de reconstrução de 3.5mm
- Placas de 2.0mm, 2.4mm e 2.7mm, podendo ser combinadas para fixação dupla
Vantagens
- Melhores resultados com ORIF em fraturas da clavícula com encurtamento > 2 cm e deslocamento > 100%
- Melhor funcionalidade e menor dor em atividades com o braço elevado
- Cicatrização mais rápida
- Menor taxa de não união sintomática e má união
- Satisfação estética e funcional aprimorada
- Aumento da força e resistência do ombro
Desvantagens
- Maior risco de necessidade de cirurgias futuras
- Remoção do implante
- Desbridamento de infeções
Complicações
- Irritação por material de fixação
- Infeção
- Lesão neurovascular
- Lesão do nervo supraclavicular
- Falha do material
- Pneumotórax
Reabilitação Pós-Operatória
Fase inicial
- Uso de tipóia por 7-10 dias, seguido de mobilização ativa
Fase tardia
- Fortalecimento a partir de 6 semanas, quando houver mobilidade indolor e evidência radiográfica de união
- Retorno completo às atividades, incluindo desporto, por volta dos 3 meses
Fixação Intramedular (IMN)

Técnica
Posicionamento
- Cadeira de praia (Beach Chair) ou supino
Abordagem
- Percutânea ou mini-incisão
Opções de implante
- Haste intramedular
- Deve ter um diâmetro correspondente a 30-40% do diâmetro do terço médio da clavícula
- Parafusos canulados
- Haste elástica de titânio
- Pino de Hagle
Vantagens
- Incisão menor
- Menor disrupção dos tecidos moles
- Evita lesão dos nervos supraclaviculares, frequentemente comprometidos na fixação com placas
- Melhor opção para fraturas simples
Desvantagens
- Maior taxa de complicações
- Migração do material de fixação, irritação do implante e necessidade de procedimentos secundários
- Inferior biomecanicamente em relação à fixação com placas
- Dificuldade em bloquear e controlar a rotação
- Normalmente requer remoção do implante após 6 meses
Contraindicações
- Cominuição significativa
- Fraturas segmentares
Complicações
- Migração do material de fixação
- Perda da redução
Complicações
Tratamento Não Cirúrgico
Não União (~15%)
-
Fatores de risco:
- Fratura cominutiva (deformidade em Z)
- Deslocamento da fratura
- Sexo feminino
- Idade avançada
- Tabagismo
-
Preditores de não união às 6 semanas:
- Movimento no local da fratura
- Ausência de calo ósseo na radiografia
- DASH score > 40
- 0-3% de não união se nenhum fator estiver presente
- 60% de não união se dois ou três fatores estiverem presentes
-
Tratamento:
- Se assintomático, não necessita tratamento
- Se sintomático, ORIF com placa e enxerto ósseo, especialmente em casos de não união atrófica

Má União (~20%)
-
Definição:
- Encurtamento > 3 cm
- Angulação > 30°
- Translação > 1 cm
-
Manifestações Clínicas:
- Dor e fadiga aumentada em atividades com o braço elevado
- Síndrome do desfiladeiro torácico
- Insatisfação estética
- Dificuldade no uso de alças de mochila e cintas no ombro
-
Tratamento:
- Osteotomia da clavícula com enxerto ósseo, se sintomático
Tratamento Cirúrgico
Proeminência do Material de Fixação
- 8-30% dos pacientes solicitam a remoção da placa
- Placas superiores estão associadas a maior irritação
Lesão Neurovascular
- Placas superiores estão associadas a maior risco de perfuração da artéria ou veia subclávia
- Trombose subclávia
Lesão do Nervo Supraclavicular
- Complicação mais comum
- 83% dos pacientes relatam dormência após 2 semanas de pós-operatório
- Pode melhorar com o tempo, mas ~50% dos pacientes ainda apresentam dormência após 1 ano
Não União (1-5%)
Infeção (~4.8%)
- Fatores de risco:
- Uso de drogas ilícitas
- Diabetes
- Cirurgia prévia no ombro
Falha Mecânica (~1.4%)
Pneumotórax
Capsulite Adesiva
- 4% dos pacientes submetidos a cirurgia desenvolvem capsulite adesiva, necessitando de intervenção cirúrgica